Amor é pra transbordar
33 anos e um casamento depois, entendi que não havia peso algum em pedir ajuda
[ Edição #44 ]
4 de maio de 2024. Faltava uma semana para minha festa de casamento. Me parecia difícil fugir do medo de ver as coisas acontecendo diferente do planejado, de dar errado o que preparamos com tamanho cuidado. Tanto que a ansiedade era precisa na hora de bater ponto. Conversava sobre esses “desesperos” todos com um amigo quando ele me aconselhou a escrever sobre a experiência de se casar. Nessa troca percebemos, juntos, que o meu parceiro nunca foi protagonista dos meus escritos públicos.
Detesto pedir ajuda. Tem um pouco de orgulho em cima disso. Parece ser um modo de assumir a incapacidade de resolver um problema sozinha. Existe, igualmente, um lado convencido de que admitir essa fraqueza é sinônimo certeiro de incomodar alguém. É desses tópicos que ocupa muitas sessões de terapia. Aprendi a lidar com essa barreira, melhorei muito, mas guardo resquícios.
Essa característica obviamente impactou minhas relações. Eu era a reprodução daquela foto que por vezes circula nas redes, dizendo “estamos abertos, só a porta que é muito pesada”. Isso de me abrir, confiar no próximo e participar da ciranda dos encontros era um processo cheio de empecilhos. As outras pessoas precisavam de muita força de vontade para empurrar essa porta.
No campo amoroso em particular, o contato com meu atual parceiro veio cheio de novidades. Ele tinha muito a contar, verdadeira enciclopédia ambulante (e longe de ser macho palestrinha!). Dava gosto ouvi-lo prosear sobre a região de Haute-Savoie, onde morávamos quando nos encontramos, ou mesmo quando me explicava o funcionamento do motor de um carro. Havia honestidade em suas falas, sabia me ouvir. Nossa comunicação foi transparente e fluida já nos primeiros meses, quando mal nos conhecíamos.
A construção dessa confiança a dois criou território seguro para me expressar sem medo.
Ter liberdade para ser eu mesma e explorar as minhas capacidades foi revelador. Em pouco tempo ele notou meu amor pela escrita. Apesar de anos escrevendo blogs, muitos arquivos do word e cadernos cheios de rabiscos, estava na fase de questionar o valor desse conteúdo, e se valia o esforço de ainda lançar meus textos no mundo. O rapaz chegou com um livrinho amarelo em casa um dia, intitulado Show your work!, de Austin Kleon.
Ao me presentear, comentou: às vezes é só uma questão de não pensar muito e perder o medo de se auto promover.
Esse apoio no que tange a escrita se estendeu a outras tantas instâncias. Meu parceiro enxergava em mim um potencial que eu, por acaso, não via. Passamos horas revisando meu CV e cartas de motivação assim que cheguei na Holanda. Aprendi a andar de bicicleta novamente com incentivo dele. Até mesmo o ofício de instrutor para condutores habilitados o cara encarou.
Aprendemos sobre a vida a dois em plena pandemia. Atravessei dias mentalmente terríveis, e ele seguiu me estendendo a mão.
O processo de me ver pelos olhos do outro me ensinou muito sobre coragem e vulnerabilidade. Nessa entrega enxerguei minhas limitações e finalmente entendi que não havia mal algum em pedir ajuda. Não era, tampouco, o fim da picada assumir que buscava carinho e queria sim um desses amores que fazem as pessoas revirarem os olhos de tão meloso.
Amor é pra transbordar. Sentir-me enfim acolhida num relacionamento tranquilizou meu coração e se provou essencial no desafio constante de dar nome aos meus problemas. Nomear monstros internos facilita horrores na hora de chamá-los para um café e lavar roupa suja como se deve.
Assim consegui, enfim, chamar de depressão a tristeza violenta e sem explicação aparente que me arrebenta o peito de vez em quando. Enxergar o problema sem filtros me fez mobilizar diferentes profissionais dispostos a me tirar desse buraco. E também a jogar luz no meu caminho para descobrir meus próprios meios de driblar as crises. Seja cantando a plenos pulmões, ou produzindo endorfina numa corrida rápida de meia hora após o expediente.
Nos meus últimos meses com 32 anos, redescobri o desejo de viver. Casar e comemorar meu aniversário num curto intervalo de tempo bagunçou as emoções, mas teve positivo desdobramento. Se me foi dada a vida, que eu faça dela o melhor ao meu alcance para aproveitar o tempo existindo neste planeta. Quero mais tardes a perder a noção das horas comendo e bebendo com amigos, muitas oportunidades para ver três filmes em sequência no cinema, mais livrarias para explorar e engordar a lista de livros para ler antes de morrer. E, se não for pedir muito, mais encontros com o papel e caneta, e, quem sabe, aquele golpe final de coragem para escrever e publicar um livro no futuro.
Independente do formato de relação que se escolhe, não faz sentido investir num amor que cerceia. Deve vir daí minha preferência pelo termo “parceiro”. Nada de metade da laranja, ou da parte que faltava. Prefiro vê-lo como extensão, impulsionando um ao outro a explorar nossas melhores versões com o passar dos anos.
Desenvolvi minha inteligência emocional e, com incentivo do meu parceiro, reconquistei meu amor próprio e vi meu potencial com outros olhos. Teria capacidade plena de dar cabo de tudo isso sozinha, porém podemos convir que ele impulsionou o processo.
Hoje, prezo pela vida não só por mim, mas pelas borboletas alucinadas que mal podem esperar pelas próximas aventuras ao lado de alguém que tanto acrescenta aos meus dias.
* Usei fotos de La Clusaz para ilustrar essa edição, pois foi um dos primeiros locais que visitei com meu parceiro e também onde celebramos nosso casamento há (quase) duas semanas.
* Ainda dá para ajudar o Rio Grande do Sul! Recomendo ler este texto da Vanessa Guedes. Nele você encontra um tópico inteiro sobre como ajudar.
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Um cheeeiro e até a próxima!
Amiga, um abraço enorme em você e parabéns duplo pelas comemorações! Feliz em te ver celebrar a vida, o amor e os sonhos!