Estrangeirismos #10 - Mastigando sete anos de Selva de Pedra em sete dias
Das impossibilidades de se criar um roteiro racional para São Paulo
Como resumir sete anos em sete dias?
Sozinha, teria me guiado pela bússola da nostalgia. Me colocaria para revisitar o asfalto onde destruí o solado de muitos pares de tênis e sapatilhas. Um roteiro que talvez não tivesse graça e tampouco fizesse sentido para alguém desbravando a capital do Estado de São Paulo pela primeira vez. Exatamente um ano atrás, num inverno igualmente rigoroso e com dias cada vez mais curtos, mergulhei nos arquivos de memória. Percorri fotos antigas diante do grandioso desafio de unir o melhor destes dois mundos, proporcionando uma experiência turística capaz de contemplar minha veia saudosista.
Fora algumas viagens pontuais quando ainda morava em Campo Grande, conhecia a São Paulo da literatura, dos filmes, e dos relatos de conhecidos. Nos primeiros anos morando lá, vivi uma experiência de realidade aumentada do que aprendi a enaltecer à distância. A oferta cultural dos sonhos tornou-se palpável.
Cheguei animada com a faculdade, mas sem conhecer ninguém, e tardei a criar relações mais sólidas. A consequência disso foram diversos eventos literários, shows, peças de teatro, e longas visitas a museus sem companhia alguma. Anos fundamentais à minha consolidação enquanto errante solitária. Em diversos destes episódios me vi desconfigurada, quiçá ingênua, sem saber muito bem como reagir, mas a experiência me ensinou a não problematizar tanto, pois ninguém se importa. Em São Paulo você pode ser estranho no nível que melhor te convém. Há liberdade para isso, e quem julga costuma fazê-lo em silêncio ou pelas costas.
Ela soube, no entanto, ser generosa. Enquanto apanhava um pouco na busca pelo meu bando, protagonizei cenas típicas de sitcoms e momentos únicos guardados com desvelo. Lembro-me bem, por exemplo, da apresentação do Camera Obscura no falecido Studio SP, localizado na Rua Augusta. Comprei ingressos para outras três colegas da universidade, e tomei bolo há menos de duas horas do evento. Apesar do sufoco para conseguir vender as entradas pelo Facebook, conheci pessoas incríveis enquanto esperava a banda entrar. Tomamos cerveja com os integrantes do grupo pós show e foi, no fim das contas, uma noite memorável. Mas isso é assunto para uma carta inteira sobre os incontáveis shows e todo o amor que sinto até hoje por diversas unidades do SESC.
Recém-chegada, uma das minhas atividades favoritas era andar sem destino definido pelo centro. Ficava no eixo do Mosteiro São Bento, Theatro Municipal e Liberdade; parando quase sempre no café no CCBB ou na Casa Matilde para comer um docinho e tomar um espresso. Aproveitava os dias de graça e os muitos descontos para estudantes para visitar o MASP e a Pinacoteca sempre que houvesse tempo. Naqueles anos o Catraca Livre ainda realizava sorteios de ingressos toda semana, rentabilizando as minhas idas frequentes ao Reserva Cultural e ao Cine Belas Artes. Frequentadora assídua do número 900 da Av. Paulista, onde me formei jornalista, conhecia a avenida de ponta a ponta e não me cansava de atravessá-la a pé. Era bom ter dez anos a menos e um estoque de energia a mais.
Se teve algo que fiz nos meus sete anos de Bela Vista, a propósito, foi andar. Fosse por ter tempo de sobra e muita curiosidade em desbravar cada veia exposta dessa cidade maluca, fosse por estar de saco cheio do trânsito infernal e preferir descer do ônibus para terminar de chegar em casa caminhando. Ir da Rebouças até a Consolação e seguir até a Brigadeiro Luís Antônio virou quase uma rotina, sobretudo nos meses que antecederam minha partida e ajudaram a dosar a ansiedade que me consumia naquela época.
Trabalhei sete anos com cultura, frequentando sobretudo o centro antigo e a região de Pinheiros. Por conta de trabalhos da faculdade, amizades aparecidas no meio do percurso, freelas, minha fase corredora (e meia-maratonista) e os shows do Morumbi, desbravei aos poucos a imensidão deste espaço pequeno demais para abrigar 16 milhões de pessoas. São Paulo é um mundo de possibilidades, perfeito demais para caber no meu coração desesperado da roça.
Não aguentei o tranco e precisei desaprender a chamá-la de casa. Contudo, recuperei aquele amor deslumbrado do início para apresentar a Selva de Pedra ao meu parceiro com todo carinho que ela merece - e em respeito às minhas memórias e ao quanto esta cidade me amadureceu e foi fundamental na minha formação de jovem adulta. Sem esta casca grossa eu jamais teria sustentado duas mudanças de país em cinco anos.
Para este breve roteiro de sete dias, escolhi quatro museus. O MASP e a Pinacoteca, que conhecia perfeitamente; o Museu da Língua Portuguesa, que ainda não havia visitado pós-renovação; e o IMS, inédito para mim, e ponto central do passeio, pois fazia questão de apresentar um pouco de Carolina Maria de Jesus e Clarice Lispector ao meu francês.
Quando trabalhei na assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura, ia do meu antigo apartamento à Galeria Olido a pé. No caminho, passava pela Biblioteca Mário de Andrade e Theatro Municipal, e repeti o caminho muitas vezes na última visita. Ainda não conhecia o Bar dos Arcos, portanto criei uma ocasião para tomar um drink por lá; visitamos o Copan antes de comermos um bom PF no Orfeu. Rolou até uma brecha no meio da semana para uma farra gastronômica perfeita na Casa do Porco.
Entre restaurantes e bares, também fomos ao Ema, Gopala Hari (visita nostálgica pois o Gopala Madhava foi um dos primeiros restaurantes que visitei quando me mudei), La Casserole, Botanika (unidade Jardins), Drosophyla, Bark ‘n Crust, e Elevado. Nos demos ao luxo de jantar no DOM, do Atala, que merece cada estrelinha Michelin conquistada.
Abri mão do meu tour pelas livrarias por falta de tempo, mas enchi a mala com lançamentos de autores brasileiros para prolongar meu Brasil ao máximo antes da próxima viagem. Ao menos consegui tomar um chá gelado no Por um punhado de dólares antes de ir embora, meu café afetivo, onde escrevi diversas edições de newsletters e posts pra blog no passado. E também onde chorava as pitangas com amigos entre cafés, vinhos, e sanduíches.
Rolaram algumas andanças sem destino definido também, pois é importante dar espaço à imprevisibilidade. O passeio final, contudo, foi definido sem muita dificuldade. Antes de me mudar, observei a ocupação gradual do Minhocão aos domingos e vivia me encantando com as surpresas que apareceram pelo caminho. Tinha lembranças afetuosas das manhãs correndo onde os carros costumam passar apressados ao longo da semana.
Desta vez não corri. Tirei o tempo para mostrar as artes nos prédios ao meu parceiro, observar todo tipo de gente e as respectivas atividades executadas naquele espaço. Não intencionalmente, assim como fiz as pazes com minhas origens, consegui enfim dar um abraço apertado na São Paulo que abandonei cheia de ódio em 2017.
Me conta quais são os seus lugares favoritos em São Paulo? E o que você recomendaria para um estrangeiro visitando-a pela primeira vez?
As fotos ilustrando este post (com exceção da última, tirada no meu último dia no Brasil em janeiro deste ano) foram tiradas entre 2010 e 2012, pequenos fragmentos de memória que desenterrei num HD externo antigo e estou feliz em poder compartilhar por aqui <3
Você pode responder direto nesta mensagem ou enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :) A resposta costuma demorar, mas chega.
Um cheiro e até a próxima!