A culpa foi pra conta dos astros, embora eu faça piada sobre quem justifica a maré de azar com mercúrio retrógrado. Os fatos ruins cirandando de mãos dadas na véspera do meu aniversário é, contudo, aquela coincidência que nunca falha. Instituição poderosa. O céu tomado de cinza em plena primavera em nada contribuiu, e pareceu atravessar meus poros e me puxar a um buraco sem fundo. Fiquei igual a um pinscher tremendo de nervoso diante das horas do dia cada vez mais curtas e os e-mails descontrolados juntando pó no Outlook.
Era grito engolido atrás de grito engolido, pois não pega bem a uma mulher berrar diante de adversidades no ambiente de trabalho.
Tentando equilibrar todos os pratos do cotidiano, desviei o argumento até onde deu, mas minha maior ansiedade estava pregada na testa e era bobagem tamanho esforço para disfarçar. Estava moída de ansiedade pela viagem ao Brasil.
Quando visitei o país pela última vez, cultivei minhas olheiras usando o medo de pegar Covid-19 como adubo. Bastava um teste positivo para cancelar três semanas de férias e prolongar os já arrastados dois anos e meio sem sair do continente Europeu. Em 2023, a fonte da ansiedade tinha outra cara. Os 12 dias em contrapartida aos 21 da outra vez pareciam poucos demais para encher a cota de preocupação. Porém tiveram efeito reverso quando dei de cara comigo desamparada, sem saber como dar cabo de tanta saudade num período tão restrito.
É muito Brasil para pouco braço.
Para além do tempo enxugado, havia o vazio de Campo Grande no cenário e o encontro com o lugar que meus pais escolheram para substituí-la. Tinha também o desafio de acomodar 1.521 km² de São Paulo em dois dias e meio, e um espaço extra para encerrar o passeio cheio de amores no casamento de um casal de amigos no Rio Grande do Sul.
Deveria ter desconfiado que uma viagem de tamanha envergadura renderia dores nas costas, mas a ignorância é mesmo uma benção.
Quando a primavera se instala no hemisfério norte, um dia você se deita para dormir com um jardim pelado, puro osso, e acorda com o sol das 5:30 e árvores carregadas. Poucas horas de sono e a natureza guarda o marrom no armário para vestir diversos tons de verde.
No mesmo compasso súbito, toda a inconveniência dos dias que antecederam a viagem se dissiparam quando escaneei o passaporte e atravessei o corredor de desembarque. Sem precisar justificar nada, sem visto, sem carimbo. Estava em casa.
Essa habilidade do cérebro em colocar a vida em suspenso quando tiro férias intriga-me. Ou seria só uma transição entre os tantos multiversos da existência? Independente do destino, parece que o stress da véspera nunca existiu. Mas quando o ponto final do trajeto é o Brasil, a distância geográfica joga os problemas num lugar ainda mais distante.
O efeito foi poderoso a ponto de me esquecer das lacunas abertas que deixei para trás na minha to-do list. Breve, porém suficiente para agir como se a vida do lado de cá nem estivesse tão atribulada assim.
Pane no sistema, alguém me desconfigurou. Parafraseando a Pitty porque voltei no olho do furacão. Assimilo aos poucos a vida que deixei em suspenso por essas bandas enquanto apanho para me ajustar ao fuso horário. O sol das 22h não tem sido nada gentil.
Voltei do Brasil com o caderno da foto fervilhando de ideias. Referências que mal posso esperar para compartilhar com vocês neste espaço.
Viajei com pacote de dados limitado e por conta disso nem houve tempo para reagir aos últimos comentários e aos novos assinantes que chegaram (aos montes!) nas últimas semanas.
Sintam-se em casa :)
Apresento-me novamente a quem chegou agora: Meu nome é Lidyanne. Sou o tipo de doida que não tem vergonha em se derreter de amores em público por cachorros. É fácil me encontrar em parques e no transporte público com a cara atrás de um livro (ou do Kindle) e gosto de encher cadernos com os meus garranchos. Taurina legítima, adoro conforto e comida boa. Sou brasileira, nasci no Mato Grosso do Sul, mas hoje moro na Holanda com meu parceiro. Trabalho com gestão de produtos digitais e alimento o amor pela escrita de forma pública no Estrangeirismos. Escrevo muito sobre memórias e as minhas impressões enquanto imigrante.
Se você tem alguma curiosidade sobre a vida na Holanda e gostaria que eu escrevesse sobre, me avise nos comentários ou respondendo a este e-mail. Pode ser que eu só te responda ou que o assunto acabe rendendo uma crônica :) Envio uma edição nova a cada duas semanas, (quase) sempre às quintas.
Você também pode enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :) Conforme digo sempre por aqui, a resposta demora, mas chega.
Um cheiro e até a próxima!
Confesso que rolou umas lagrimas por aqui. E mesmo muito Brasil pra pouco braco (e abraco).
Que texto maravilhoso! ♥️