No banco de trás do carro de duas pessoas que acabávamos de conhecer, veio a oportunidade de perguntar há quanto tempo cada um bate ponto neste planeta. Eu, com 32, respondi também por Nico, que comemora 30 anos em setembro. Marleen respondeu que nós duas tínhamos a mesma idade e antes que o assunto mudasse, repetiu minha ação, respondendo por Bruno. 33 anos. O elemento mais velho dentro do Fiat Panda riu. Tinha os olhos concentrados demais na pista para se manifestar.
Discorremos sobre o assunto e acabei carregando reflexões comigo. Demorar para encontrar o ano de nascimento nos formulários é dispendioso, mas não chega a ser desconfortável. Envelhecer me cai bem.
Aterrissei em memórias de dez anos atrás. Recém-formada em Jornalismo e efetivada no estágio, estava envolta em névoa de incertezas da jovem adulta que acabara de engavetar anos de estudo e estava longe de ter um plano de carreira. A carência afetiva era um buraco profundo que pouco ajudava. Com isso, tapava vazios marcando presença em eventos literários e shows. Ouvir a habilidade alheia em dar nome aos alvoroços internos era meu traço de personalidade mais forte, ou quase isso. Encontrava-me em fugas constantes, corria em círculos para evitar encarar as feridas abertas.
2013 foi o ano da primeira tatuagem, das corridas de rua, de viagem internacional com meus pais, e da última edição do meu festival de estimação, o Planeta Terra. Quando Damon Albarn, vocalista do headliner do evento, Blur, soltou o primeiro tender is the night, perdi tudo. No universo dramático da jovem adulta havia o luto pelo festival, e sobretudo a dor latente sufocada no peito.
Minha voz deve ter acabado ao esgoelar oh lord I need to find someone who can heal my mind, intercalado com as lágrimas fazendo folia a cada I am waiting for that feeling to come. Mergulhada em incertezas, era displicente com vínculos relacionais. Aceitava migalhas igual às pombas que se multiplicavam na frente do prédio onde trabalhava naquele ano.
A magia pairou no ar quando nos esprememos no metrô no caminho de volta e entoamos o refrão entre desconhecidos. Desses momentos clichês que parecem irreais, mas guardo como uma das epifania mais lindas dos meus anos de São Paulo.
Embora houvesse encanto, não dava para negar. Não havia com quem compartilhar esse amor. Até mesmo as amizades enfrentavam os seus abalos sísmicos naquele período.
Felizmente há vida o suficiente para desentupir espaços congestionados. Naquela conversa dentro do Fiat Panda, fechava um breve fim de semana no sul da Espanha onde o amor provou que sempre vence. A gente inteira cicatriza e se reconstrói mais atenta e forte, apta a separar o joio do trigo e definir o que cabe no nosso conceito de amor.
Ver duas pessoas importantíssimas para mim comemorando 13 anos de união rodeados pelo significado deles de amor foi único. Reencontrei pessoas que não via há anos, conheci outras e reforçamos o valor de ter uma família que a gente escolhe e constroi ao longo dos anos.
A Espanha tem uma pegada brasileira. Seria a temperatura elevada? Todo mundo parece mais solar, relaxado. E isso contribui à fluidez de qualquer celebração. Não sobra espaço para stress entre um tinto de verano e um mergulho no Mar Mediterrâneo para se refrescar. Imagina então caminhar num grupo com mais de dez pessoas desviando de esculturas de Salvador Dalí no meio da praça? Não dá para esquentar a cabeça.
Num contexto de extremo relaxamento um dia de festa se transforma facilmente em três e nos deixa suspensos nesta nuvem de plenitude onde parece que nenhuma mazela do mundo existe, e tampouco pode nos afetar. Voltei pra Holanda em estado de negação, tentada a prolongar a euforia e largar mão das responsabilidades. O acaso deu um empurrão, e antes de me jogar de volta à realidade colocou outro show do Blur no caminho.
Tender é figura conhecida nas setlists da banda, então sabia que uma hora viria. Pois quando chegou me surpreendi, pois nem cheguei a soluçar. Esgoelei tanto quanto em 2013 porque a música pede, contudo, tocou-me de outra forma. Decorridos dez anos, o sentimento enaltecido naquelas linhas enveredou pelo caminho certo e conseguiu se acomodar por aqui.
Veio completo. Primeiro foi necessário conquistar-me outra vez, processo ainda em curso. Mas se antes havia todo um cálculo de rota por trás de qualquer atitude, hoje não penso duas vezes. Adultecer me ajudou a jogar algumas cobranças para escanteio e pegar mais leve comigo mesma. Baixando a guarda e me respeitando, foi mais fácil abrir os olhos e apreender o amor em todas as suas formas.
Na jornada de ressignificar valores veio até alguém disposto a dividir comigo a vida, e não há privilégio maior que isso. Rodeada de amigos que me são tão caros, a viagem nostálgica do show do Blur ganhou um tom ainda mais significante.
Damon, sem exageros, tinha razão. Love is the greatest thing that we have.
Vamos continuar esta conversa? Você pode responder direto nesta mensagem ou enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :) A resposta costuma demorar, mas chega.
Um cheiro e até a próxima!
♥♥♥
excelente reflexão sobre a idade, blur, pandinha e o rolar infinito da rodinha do mouse para achar o ano :)