Estrangeirismos # 7 - Que cidadã é essa?
Mais uma crise de identidade na conta da imigrante
(aviso: esta carta é sentimental e caótica)
Quando me mudei de país pela primeira vez, era estudante e imigrante. Experimentei toda sorte de crises de identidade derivadas destas condições, sobre as quais já gastei uns tantos caracteres internet afora. Meu posicionamento político não ficaria de fora desta ciranda de incertezas e inseguranças. À época, sabia que não daria tempo de transferir o título de eleitor. Fiquei contrariada em perder as eleições de 2018, ao passo que hesitava ante a decisão de alterar o domicílio eleitoral sem saber se gostaria de ficar na França ao fim do mestrado.
Entre 2017 e 2019, me distribuí entre a França e o Brasil. Frequentei uma instituição de ensino francesa, trabalhei em dois locais diferentes em território francês. Embora acompanhasse notícias e conversasse com amigos sobre política, eu era café com leite.
Cria do Mercosul, minha participação em qualquer cenário político europeu, e sobretudo francês, era nula. Poderia estar muito bem informada, porém não tinha um passaporte vermelho e direito de voto. Por consequência, a metade brasileira seguiu agitada naquele período. Isso vai soar bizarro, porém peguei na mão dos meus amigos à distância como pude em outubro de 2018, fiquei dias sem dormir e tive crises de enxaqueca brutais. Perdi o norte e cheguei a ficar meses sem conversar com pessoas próximas e queridas, tamanho o nervoso ante o Titanic no qual meu país de origem embarcava.
Somado a isso, mantive contatos profissionais e até fiz alguns freelas à distância. Diante do oceano de instabilidade da condição de imigrante, queria garantir um lugar ao sol. Contudo, o que mais me tirava o sossego era a situação de quem ficou e não tinha a possibilidade de sair. A questão era mais profunda do que uma simples questão de preferência por um partido ou uma pessoa. Quem ficou teria que sobreviver neste antro de ódio e preconceito, sentindo-se cada vez mais desprotegido. E olha que na época ninguém poderia imaginar a chegada de um vírus mortal e a consequente crise sanitária.
O título desta carta não é “Brasil - ame-o ou deixe-o”, não cabe a mim fazer um escarcéu e listar motivos para largar o Brasil. O ponto é: ante um regime totalitário, é natural querer se mandar, mas nós sabemos que não é tão simples assim. Eu tinha uma posição privilegiada e saberia dar um jeito caso precisasse voltar. E quem não tinha condições de emergir, ou se sentia ameaçado? Pior ainda: e quem passava fome e não tinha perspectivas de encontrar um trabalho melhor? Estava preocupada com estas pessoas. Isto é só uma parte de uma estrutura muito maior, pois não posso fechar os olhos, para citar um exemplo entre tantos outros, para o descaso ambiental, a destruição da Amazônia, e o quanto isso poderia ter um impacto a nível mundial.
Veja bem, escrevi no passado pois estes pensamentos povoavam minha mente naquela época. Contudo, percebo que as angústias seguem por aqui e os medos do passado foram confirmados e agravados. Tudo piorou de uns anos pra cá e qualquer comprinha básica no mercado não sai por menos de 150 reais.
Eu, imigrante, compliquei ainda mais o cenário no meio deste caminho, tirando a França de cena e substituindo-a pela Holanda. Lá fui eu me jogar de novo em território desconhecido, sem passaporte e direito de voto em território europeu, sem conhecer nada sobre a política na Holanda, mas agora com o título brasileiro devidamente transferido. Visitar familiares e amigos uma vez em 2019 e outra este ano me deixaram fumegando (ainda mais!) de ódio pelo atual presidente do Brasil e doida para ter parte na mudança e ajudar o país de alguma forma.
Não é segredo: arreguei e debandei quando vi Jair ganhava o coração dos brasileiros. Foi violento e doloroso ver quanta gente saiu do armário e passou a esbravejar misoginia, homofobia, entre outros tantos horrores por se sentir em segurança e representada por esta figura asquerosa. Enquanto tiver oportunidade, vou panfletar contra e sigo aterrorizada ao pensar em mais quatro anos tendo este energúmeno governando o Brasil.
Mas resolvi dar ouvidos a um questionamento antigo: quem sou eu para opinar sobre a política brasileira quando posso usufruir dos privilégios oferecidos por um país de primeiro mundo?
Enquanto o Brasil se despedaçava durante e em consequência da crise sanitária, eu curtia o conforto do meu lar, sã e salva, vacinada, me deslocando por todos os cantos de bicicleta, trabalhando e pagando impostos na Holanda.
Que cidadã é esta que presume saber o que é melhor para o Brasil quando não mora mais lá há mais de cinco anos?
O posicionamento segue o mesmo, e estou pronta para votar 13 neste segundo turno. Me colocar neste lugar de questionamento não retira, tampouco ameniza a preocupação com familiares e amigos. Voto, contudo, sensível ao ato. Difícil dizer se tem mesmo relevância depois de tanto tempo longe.
Este questionamento nasceu após ler a edição mais recente da newsletter da Marjorie, na qual enxerguei uma excelente deixa para abrir o debate sobre o assunto. Quero ouvir a opinião dos amigos residindo no Brasil, claro, mas desejo inquirir sobretudo os amigos imigrantes.
Qual é o peso e impacto das nossas opiniões e porquê temos uma crença tão grande de que nos posicionarmos estando longe vai ajudar o Brasil a ser um local seguro e próspero outra vez?
Me interessa saber igualmente se uma hora a chave vira. Se um dia vamos nos sentir parte da sociedade onde vivemos, participando da vida política, ou se somos apegados demais ao limbo, este não-lugar bizarro e instável de "não sei até quando me garanto por essas bandas".
Mesmo que me sinta num limbo no qual parte de mim existe na Holanda, outra flerta com a França e o coração segue no Brasil, participar ativamente da política brasileiro é o único meio de afirmar a minha identidade. Parece besteira, porém é a forma que encontro de me sentir parte de algo, que ainda tenho relevância enquanto cidadã.
Vamos votar em paz, de forma consciente, e seguir cuidando dos nossos. Pois independente do resultado das eleições, nossa luta não acaba por aqui.
Você pode responder direto nesta mensagem ou enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :)
Um cheiro e até a próxima!
Me identifico muito com esse blog e, em especial, com esse ultimo artigo. Também vivo fora ha quase 20 anos. Esse ano votei pela primeira vez. Nunca achei justo votar vivendo fora, mas esse ano, a coisa esta demais e resolvi transferir meu titulo. Talvez voce ainda encontre mais empatia onde vive, pois eu aqui de Miami, encontro o inverso. Obrigado por escrever isso e deixar-me ver que não sou o único!