Faz pouco mais de um mês que tento editar a sexta edição desta newsletter. Após me inscrever em dois concursos literários e não ser selecionada, rolou uma frustração que me fez questionar minha escrita e entrar numa grande espiral do desgraçamento. Lia o texto e só via nele defeitos, tentava começar do zero seguindo a mesma temática, tudo sem sucesso. Neste embalo também pensei muito no propósito deste espaço. Devo voltar a escrever sobre o tema que vier em mente para ter alguma frequência? Ou devo seguir falando apenas do que têm relação às minhas vivências no exterior?
Será que dá para separar uma coisa da outra, considerando sobretudo o quanto todas minhas experiências atuais são permeadas pelo solo em que habito? Até mesmo um show ou um filme vistos enquanto morava na Holanda são influenciados pelas percepções que adquiri desde que habito neste lugar.
Levei a crise de identidade e escrita para a terapia, além de passar dias digerindo o caos. O diagnóstico foi rápido, preciso: enxaqueca. Minha cabeça está sobrecarregada e dói uma dor insuportável.
A língua mais falada no cotidiano por aqui é o francês, base da comunicação com meu parceiro. Quando me volto à escrita, prefiro o português, seja no diário ou para escrever algo pra internet. No trabalho, a língua em comum é o inglês, mas o holandês prevalece nas conversas paralelas pelo escritório. Usar meu cérebro para tentar equilibrar pratinhos em quatro línguas distintas nem sempre é fácil, ainda mais quando considero todos os fatores externos. Noites mal dormidas, sobrecarga no trabalho e cobranças pessoais me deixam menos predisposta a alinhar português, francês, inglês e holandês e forçá-las a dar as mãos e viver em harmonia.
Em suma, estou cansada. Tudo isso pode soar como uma grande desculpa. Ou até fazer alguém revirar os olhos e pensar “a moça escolheu morar no exterior e tá fazendo drama porque precisa se virar em quatro línguas”. Essa pessoa pode ter razão, e se brincar me tornei aquilo que mais temia: a perdida na tradução, que se agora se embanana na língua materna, acometida pela doença crônica de não ter o cérebro flexível o suficiente para transitar entre tantas conjugações e concordâncias nominais e verbais diferentes.
Todos os dias encerro o expediente com a cabeça pesada demais para conseguir fazer um curso online, ou mesmo escrever. E nesta valsa descompassada só empurro minha lista de desejos e projetos para mais tarde. Preencho vazios com escalada ou qualquer outra atividade física, minha doce ilusão diária de que produzir endorfina vai me ajudar a curar insatisfações internas.
Talvez, em consequência de anos vividos e do processo natural de envelhecer, agora tenha mais dificuldade em conciliar o trabalho com projetos pessoais. Afinal, em sete anos de São Paulo e, sobretudo após o fim da faculdade, conseguia trabalhar, estudar francês, participar de oficinas de escrita, praticar atividade física (às vezes DUAS vezes por dia!) e ainda ter tempo para ver amigos e aproveitar um pouco da abundante vida cultural da cidade.
Conforme comentei com uma amiga esses dias, amo envelhecer. Todo o processo de chutar barreiras, afrouxar os cintos e parar de se importar com pequenezas é delicioso. A dor nas costas e a dificuldade em carregar a mesma mochila de dez anos atrás com destreza, entretanto, são um pé no saco.
Contudo, a vida é isso, pessoa que me lê: um amontoado de imperfeições pululando por todos os cantos. E no desejo de aparecer com mais frequência no Substack, vou ver se abraço esse mosaico e a flexibilidade de escrever sobre o que me perturba ou preenche o coração no momento, ao invés de buscar “o momento perfeito” ou a “estrutura ideal” para existir neste espaço digital.
Posto isso, devo aparecer na sua caixa de entrada a cada duas semanas, sempre às quintas (aceito os trocadilhos de escritora de quinta categoria, pois bem se encaixa). Se tiver alguma sugestão ou tópico que você gostaria de ver por aqui, me dá um toque?
Fecho esta carta com um suspiro outonal de Amsterdã no último fim de semana. Amo este momento de transição em que ainda temos um pouco de sol às 6 da tarde, deixa ideal para observar as folhas desbotando em amarelo e vermelho sob a luz que parte.
Você pode responder direto nesta mensagem ou enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :)
Um cheiro e até a próxima!
Hej Lidyanne! Me identifiquei demais com suas palavras e experiência em terras distantes. Também passei cinco anos da minha vida tendo de me virar em 4 línguas diferentes e agora, em outra terra distante, tô tendo que me virar pra aprender mais uma enquanto cuido do meu bebê que já fala duas línguas com a maior destreza. Acho fantástico a facilidade com que absorvem cada palavra mas também acho que nós, adultos que nos viramos em mais de uma língua, merecemos ser mais leves com nossa experiência: a gente mistura mesmo, tem palavras que a gente esquece do português, as vezes bate aquele desespero mas não é nada intencional hahaha gosto de pensar que o português é a herança mais bonita que vou passar pra minha filha, por isso continuar a escrever nessa língua é tão importante. Pra lembrar quem sou e pra que ela também conheça suas origens. Você escreve lindamente, não dá vontade de parar de ler. Vou adorar receber suas cartas na minha caixa de entrada <3
Conheço essa foto e entendo a sobrecarga! 😵