Estrangeirismos #11 - Os Melhores de 2022
Um apanhado dos favoritos do ano enviado nos últimos suspiros de 2022
O fim do ano me traz sentimentos mistos. O lado ritualístico de fechar um ciclo e encher o peito de esperanças para o ano que vem me vai muito bem, contudo não vejo o Natal com o mesmo apreço. Talvez seja consequência da ausência de laços religiosos, o fato de estar longe da família, ou simplesmente não ver graça em decorações natalinas. Todos estes fatores contribuem ao meu desgosto, que ademais não é favorecido pelo período mais escuro do ano. O frio e os dias mais curtos tiram boa parte do meu carisma, e o potencial é tão significativo que nem mesmo os pisca-piscas pelas ruas conseguem me fazer sorrir.
2022 foi um ano particularmente pesado. Foi uma avalanche após confinamentos contínuos, como se a vida tivesse urgência em acontecer e não quisesse nos deixar espaço para absorver a realidade pós-pandemia. Em outras palavras, o ritmo caótico dos últimos meses deste ano não contribuiu em nada à minha aversão às festividades.
Calma, eu juro que não sou um poço de negatividade. Ao invés de fazer uma edição inteirinha explicando por que posso ser chamada de Grinch do Natal, vou me ater à minha parte favorita do fim do ano: o fechamento de ciclos. Repensar os pontos altos, compartilhar minhas ‘culturices’ favoritas, e fazer um esboço das expectativas para 2023.
Vem comigo?
Para deixar minha vida mais fácil, não criei uma classificação (ou seja, não está em ordem crescente nem decrescente), pois escolher apenas cinco itens já demanda grande esforço da minha parte :P
Top 5 eventos do ano
Subir (e descer sem morrer) a Tournette
Após meia hora de subida íngreme, fiquei me perguntando por que diabos insisti na ideia imbecil de fazer uma trilha. Por que saímos de casa às 5h30 para isso? 2351 metros de altitude! Foi terrível! Pessoas, não façam trilhas porque dói e cansa muito! E se você sentir vontade de fazer suas necessidades, vai ter que ficar com a bunda de fora na natureza e torcer pra ninguém passar e te ver toda exposta. Antes que você cancele sua assinatura, calma, não sou tilêlê good vibes only que vive de trilhas e ultramaratonas nas montanhas. Não temos montanhas na Holanda, então é uma boa oportunidade para curtir o melhor da natureza. Por algum motivo obscuro topei a empreitada de fazer o percurso da Tournette.
Foi sofrido pra caramba e reclamei muito, mas coloco na lista de eventos do ano pois EU CONSEGUI! Apesar da falta de preparo e de ter levado o dobro do tempo previsto, subi e desci num percurso sofrido, porém lindo demais. Sentir o quanto meu corpo é forte e capaz de fazer uma loucura destas é sensacional.
Trocar de Emprego
Há poucos cenários possíveis onde mudar de área seja um processo simples e indolor, e posso afirmar que fazê-lo em território estrangeiro pode ser ainda mais desafiador. Com o diploma do Mestrado em mãos, depois de um ano desempregada e um ano e meio trabalhando com atendimento ao cliente (um tanto à contragosto), aproveitei a ida ao Brasil para recarregar as energias e atualizar meu currículo. Conseguir me recolocar no mercado e na área do meu mestrado foi surreal, e fechar o ano colhendo os frutos do meu esforço é indescritível. Melhor sensação. Muito orgulho de mim :)
Escalada
Em algum momento do passado fui uma pessoa que corria. Cheguei inclusive a fazer duas meia-maratonas, porém meu joelho protestou e passei um semestre inteiro de molho. Nunca mais fui a mesma. Por recomendação médica, não posso mais passar dos 10km, porém meu joelho resolveu se manifestar contra minha tentativa de ser mais saudável em maio deste ano e fiquei meio contrariada pois adoro correr. Por coincidência (e sorte) uma amiga me convidou para escalar neste período e descobri um novo vício. O que mais gosto sobre a escalada é o fato de ter desafios diferentes a cada dia, observar o progresso aos poucos, e, sobretudo, não ver a hora passar. Foi sem dúvidas um dos pontos altos deste 2022 e espero que em 2023 consiga focar em melhorar a técnica e, quem sabe, escalar ao ar livre no verão.
Inclusive saudades de escalar na área externa do Campus :(
Virar dog sitter
Em algum momento do verão, voltamos da praia e deixamos a porta da garagem aberta enquanto arrumávamos algumas coisas. Uma vira-lata caramelo entrou e ficou, ignorando solenemente a dona, que a chamava pelo nome. Foi amor à primeira vista. Sem planejamento algum, passei a cuidar desta e de outros cachorros que vieram por indicação algum tempo depois. Agora nossas semanas ficaram mais cheias de amor, pois há sempre um peludinho correndo pelos cantos (e ainda ganho para isso!!).
Visitar o Brasil
Passados dois anos de pandemia e após quase três anos sem pisar em solo brasileiro, nossa viagem saiu! Corri do inverno europeu para abraçar meus pais e passar três semanas fervendo no Brasil. Matei a saudade do Mato Grosso do Sul e de São Paulo, e inclusive contei um pouco da minha experiência em cartinhas anteriores.
Top 5 - Livros
Antes que alguém veja um título que saiu no ano passado (ou antes) e fique confuso, um breve aviso: para livros, séries, e filmes, não me atenho ao ano de lançamento.
Atingi minha meta de ler mais mulheres, e conheci autoras maravilhosas em 2022.
Cheia, de Natália Zuccala
Comecei a escrever resenhas curtas dos livros lidos em 2022 no meu Instagram literário (inclusive preciso continuar, volto em breve!), e cheguei a dedicar algumas linhas ao livro de Zuccala. Em 'Cheia', a protagonista Amanda passa a sofrer lapsos de memória e nós caímos na mesma pira. Comecei a leitura sem grandes expectativas e terminei entregue ao fluxo de pensamento e as paranoias de Amanda, que poderiam ser as mesmas de qualquer outra mulher. Excelente romance de estreia, me deixou curiosa para ler mais de Zuccala.
L'événement, de Annie Ernaux
Foi o ano de Annie Ernaux (merecidíssimo), e o combo adaptação cinematográfica+audiolivro sem dúvidas me marcou muito. Também teve resenha no Lidy com riscos, caso te interesse saber mais sobre a obra. A literatura de Ernaux é crua, dolorosa, difícil de digerir. O clássico caso do livro curto que parece ser tranquilo de ler, mas que faz um triplex no teu cérebro e te deixa remoendo as questões por meses a fio. Se você nunca leu nada da autora, por sinal, pode ser um ótimo ponto de partida.
Croire aux fauves, de Nastassja Martin
Em 2022 me enchi de realidade e o que fazemos dela, e o livro de Nastassja entrou na lista para reforçar este fato. Falei mais sobre ele aqui. A autora é antropóloga e nesta obra narra o antes, durante e pós de seu encontro quase mortal com um urso na Sibéria. Fiquei na dúvida antes de comprar pois pensei que seria uma leitura técnica e mais voltada para antropólogos interessados na área de estudo da autora. Foi, contudo, uma surpresa e tanto que me levou a pensar diversas questões por uma nova perspectiva.
I'm glad my mom died, de Jennette McCurdy
Me dói admitir, e embora pareça contraditório perante minha lista de melhores do ano, costumo ter preguiça de não ficção. O título levemente sensacionalista também me fez torcer o nariz, mas vi uma entrevista de divulgação da autora e resolvi dar uma chance. Fui surpreendida positivamente por uma obra bem escrita com o humor autodepreciativo que tanto gosto. A história de Jennette não foi nada fácil, e é surreal vê-la tão segura de si ao falar sobre a própria trajetória e como a transformou em obra literária. É prazeroso ver alguém com um histórico sofrido que resolveu dar um jeito nas feridas do passado dando a volta por cima e provando seu valor no meio onde ela gostaria de ter crescido e conquistado fama. Espero que conquiste muitos leitores por aí e que esta seja a primeira criação literária de muitas outras. Aos interessados, deixo apenas um alerta de gatilho a quem tem/teve pais abusivos e sofreu com transtornos alimentares.
Brazza, de Mariana Brecht
Descobri 'Brazza' no canal da Ana Lis Soares no fim do ano passado. Pego muitas dicas de autoras brasileiras contemporâneas no canal dela, que inclusive também é escritora e autora do romance 'Domingo', uma das minhas leituras favoritas de 2021. Brazza é uma prosa poética de tirar o fôlego, que nos conta a história de Manuela, uma jovem paulistana que acaba de desembarcar no Congo para uma missão de trabalho. A surpresa, contudo, está no teor desta empreitada - ela se descobre envolvida na capanha política do controverso chefe de Estado e vive dias de agonia tendo cada um de seus passos monitorados.
Fiquei nervosa de arrancar os cantinhos das unhas e me envolvi tanto que mal consegui tirar o Kindle das mãos enquanto lia. Sou meio devagar na leitura e devo ter destruído o livro em dois dias. Espero que Mariana tenha mais livros no forninho pois faço questão de acompanhar a arte que ela faz com as letras daqui em diante.
Top 5 - Séries
2022 foi meio paradão e fui preguiçosa, porém pretendo tirar o atraso em 2023. Qual foi a melhor série que você assistiu em 2022 - ou antes - e que eu deveria conferir? Ajude a crescer minha lista de recomendações :)
The White Lotus - Segunda Temporada
O queridinho desta temporada de fim de ano! Nem havia gostado tanto da primeira temporada, porém sou órfã de Parks and Recreation e queria muito ver Aubrey Plaza causando muito na Sicília. O que mais me chamou atenção foi o fato dos personagens serem tão instigantes - inclusive os mais chatos. Aliás, o grande trunfo desta série para mim é o quanto os personagens são insuportáveis e, ainda assim, não conseguimos desgrudar os olhos deles. Entretenimento de qualidade onde nenhum detalhe é por acaso.
Sandman
Diferente de 90% dos meus amigos de adolescência, não fui uma jovem viciada em Sandman. Na época fiquei com preguiça de começar do zero, então li algumas edições soltas e parei por ali. Anos mais tarde leria outras coisas de Neil Gaiman e começaria a entender um pouco o hype. A vantagem de não ter sido fã fervorosa é que as expectativas nem eram tão altas, então foi fácil fácil ganhar meu coração. O casting é impecável e tudo nesta série é sensacional - inclusive os episódios extras.
The Boys
Sim, assisto filmes e séries de super herói, mas tá longe de ser meu gênero preferido. Inclusive às vezes rola uma preguiça. Mas The Boys se vendeu como uma série que faz piada do politicamente correto e pensei que só por isso já mereceria uma chance. Já deu para perceber o quanto gosto de personagens horríveis bem desenvolvidos? Esta série possui vários! E a cada temporada ela se supera. Ouso dizer que a terceira, que saiu este ano, foi a melhor até agora.
WeCrashed
Sou fã de Anne Hathaway e a presença dela enquanto protagonista já foi motivo suficiente para querer assistir. A história de fracasso da WeWork era velha conhecida. Tenho acompanhado os noticiários ao longo do ano, fiquei na dúvida se seria algo digno de se contar em série ou filme. O resultado é um retrato fiel do quanto as pessoas são capazes de alimentar ilusões e sustentá-las mesmo que seja às custas do sofrimento alheio. Aliás, uma ótima história para refletir sobre os incontáveis layoffs de start-ups que ocorreram neste ano. Série curta e excelente, para compensar o primeiro mês de graça da Apple Tv junto à minha favorita do ano.
Severance
Esta veio por indicação de uma amiga que assiste todas as séries possíveis (meu sonho ter tempo assim) e não me convenceu de imediato. Vi o primeiro episódio com certa resistência, e me entreguei por completo no segundo pois sou presa fácil. Fiquei transtornada criando teorias e buscando pistas nos detalhes visuais dos episódios. Quase não tive coração pra tanto cliffhanger! É o tipo de série que eu indicaria para qualquer pessoa pois isenta de defeitos.
Top 5 - Filmes
Minha meta para 2023 é ver mais filmes dirigidos por mulheres, pois os homens dominaram tudo na direção dos meus favoritos deste ano. Inclusive aceito dicas!
The worst person in the world
Chorei de fazer porquinho durante a sessão e depois, no caminho de casa, enquanto digeria o que acabara de assistir. É frustrante chegar aos 30 sabendo que além de não termos cumprido a cartilha do que se espera de uma mulher nesta faixa etária, não adquirimos uma conquista sequer. O longa é sobre as tentativas exaustivas de fazer acontecer, a falta de manejo na execução, e o quanto nada nesta vida está sob nosso controle.
Licorice Pizza
O Paul Thomas Anderson respira e eu corro pro cinema pra saber o que ele aprontou. É só isso: até um filme 'ruim' dele seria um dos melhores do ano para mim. Adoro um rolê onde nada acontece e os personagens só ficam na tela existindo ao nosso bel prazer, embalados por música boa e sacadas de humor duvidoso. Perfeito.
Aftersun
É aquela música da Caroline Polacheck: hit me where it hurts. O filme pega naquela dor das lembranças refeitas e faz seu ninho. Constantemente impactada pela nostalgia, tenho um quê desta protagonista em mim pois amo ver vídeos e fotos antigas e tentar remontar os momentos como se pudesse confiar na minha capacidade em me lembrar de situações que remontam a um passado longínquo. Às vezes me lembro de algo do passado e lamento por não ter prestado mais atenção aos detalhes e ser obrigada a emprestar as memórias de outras pessoas para reconstituir a minha. Mais uma vez, como se fosse possível ter algum controle sobre o curso da vida. Desses filmes onde parece que nada acontece, mas no final bate bem ali onde dói e te deixa por dias a fio repensando cada sequência.
Les Passagers de la Nuit
Mikhaël Hers faz filmes sobre sentimentos onde quem dita as regras é a sutileza. Nenhum elemento dos seus longas é escancarado, inclusive os primeiros minutos costumam ser puro marasmo. Dada a sensação de que nada acontece, dá vontade de largar mão, mas há sempre um elemento instigante que nos motiva a continuar. Em Les Passagers de la Nuit acompanhamos uma mulher recém-divorciada, mãe de dois filhos adolescentes, que tenta se recolocar no mercado e entender quem ela é fora do papel de esposa. Destes filmes pra sair da sessão e ligar pra mãe (ou pra dar um abraço caso você tenha a sorte de morar perto da sua).
Everything everywhere all at once
Meu exemplo favorito do quanto a experiência cinematográfica é (louca) subjetiva. Para mim, é uma metáfora impecável do que é ser imigrante. Os Daniels conseguiram oferecer um pouco de todos os gêneros em um único filme, o que para mim foi traduzido facilmente em toda sorte de emoção vivida por um estrangeiro. Dei gostosas gargalhadas, fiquei reflexiva, receosa, a dois passos de dar uma choradinha. É uma bagunça louca boa demais, além de todo o deleite que é ver Michelle Yeoh num papel feito para ela brilhar muito.
Menções honrosas:
Pearl
Tenho pavor de filmes de terror, mas de tempos em tempos acabo cedendo pois a curiosidade fala mais alto. Pearl na verdade puxa mais pro lado gore, e é mais interessante que seu antecessor, X. Um excelente estudo de personagem e uma Mia Goth alucinada dando show de atuação. Vale MUITO conferir, nem que seja para prestigiar o monólogo de seis minutos nos minutos finais da película.
Drive my car
Foi uma jornada intensa de três horas. Conheço pouco do cinema japonês, e deste pouco me interessa o lado dramático e intenso de se contar histórias. Outro elemento fundamental é a riqueza com a qual os personagens vão perdendo camadas e revelando a essência conforme a história avança. Em Drive my car, a conexão entre os protagonistas parecia impossível, mas acaba acontecendo de um jeito quase inesperado. O longa percorre as emoções humanas com delicadeza. Na mesma linha de Aftersun, é o tipo de longa-metragem que cativa aos poucos e deixa a portinha da reflexão aberta por meses à fio. O roteiro é adaptado de um conto de Haruki Murakami que eu adoraria ler. Quem sabe não entra na lista de leituras de 2023?
Ufa! Acabou. Deve ter sido a edição mais longa desta newsletter. Ela chegou atrasada pois passei a semana passada inteira de molho. Depois de me gabar por não ter ficado tão derrubada quando testei positivo para covid, fui destruída por uma gripe que me deixou com as costelas doloridas de tanto tossir e espirrar. 2022 me testou até o último minuto sem nenhuma piedade.
Meus projetos para 2023 são, aliás, modestos, e a prioridade é cuidar da saúde. Voltar a ter uma rotina de exercícios, comer melhor, consumir menos bebidas alcoólicas e cuidar do meu sono.
Agora estou me sentindo melhor - a tosse segue firme, mas os espirros pararam e eu fiz questão de publicar a última edição deste ano agora. Semana que vem volto à programação normal com cartas quinzenais enviadas sempre às quintas.
Espero que o mês de dezembro tenha sido tranquilo para quem me lê. E que 2023 comece na paz e nos proporcione momentos incríveis ♥️
Me despeço com esta imagem feliz além da conta por caminhar no lago congelado 🙃 (poucas horas antes do meu sistema imunológico me dar uma rasteira e passar duas semanas de molho)
Você pode responder direto nesta mensagem ou enviar um e-mail à parte para lidyanneaquino@gmail.com :) A resposta costuma demorar, mas chega.
Um cheiro e até a próxima!
Amei as recomendações ❤️ Espero ter um tempinho nas próximas semanas pra ver um dos filmes ou ler um dos livros sugeridos!